Sócrates
Quero enquadrar
Sócrates a partir de Richard Tarnas, A
Epopéia do Pensamento Ocidental, Rio de Janeiro, Bertrand Brasil, 1999, nas
páginas citadas, negritos e coloridos meus.
·
PEQUENO SÁBIO, p. 55: “O ponto em que termina o
Sócrates histórico e começa o Sócrates platônico é notoriamente ambíguo. Nisso,
sua modesta reivindicação de ignorância aparentemente contrasta com o
conhecimento platônico dos absolutos; mas estes talvez sejam diretamente
provenientes da primeira, como se uma humildade intelectual incondicional fosse uma
pequena abertura a dar passagem à sabedoria universal”. Ah,
pobrezinho do Sócrates, a “pequena abertura”, o pequeno sábio. Como seria
assim, se ele se sobrepunha constantemente aos sofistas?
·
OS APÓSTOLOS DE SÓCRATES: a gente vê que nos desenhos
representando Sócrates bebendo cicuta na cela exatamente doze homens estão à
volta dele, como os apóstolos de Cristo – indicando uma seita, dada às
representações esotéricas em volta do número doze. Por quê ela não prosperou?
Certamente tudo se deveu à superioridade intelectual implícita, ao
distanciamento em relação aos que poderiam aderir.
·
A PROPAGANDA PLATÕNICA, p. 55: “Platão expressava esse
aprofundamento e expansão, utilizando a figura de Sócrates para articular a
filosofia que acreditava ter a própria vida de Sócrates nobremente
exemplificando. Sócrates parecia ser a encarnação da bondade e da sabedoria, as
mesmas qualidades que Platão considerava os princípios fundadores do mundo e as
mais elevadas metas da aspiração. Sócrates tornou-se, portanto, não apenas a
inspiração, mas também a própria personificação da filosofia platônica. Da arte
de Platão surgiu o Sócrates arquetípico, o avatar do platonismo”. A diferença
entre Sócrates e Jesus como avatares foi o primeiro ter como seqüência racional
a outros racionais que o distanciaram do povo, fazendo-o propriedade e condutor
das elites, ao passo que Jesus se compadeceu dos miseráveis e afastou-se dos
orgulhosos.
·
A BOIADA SOCRÁTICA, p. 50: “A estratégia característica
de Sócrates, quando em discussão com outra pessoa, era recolher uma seqüência
de perguntas, analisando incansavelmente – uma por uma – as implicações das
respostas, de tal maneira que expusesse as faltas e inconsistências numa
determinada crença ou afirmação”. Quando lemos os diálogos socráticos Sócrates
sempre vence, nunca perde, nem se desvia da certeza que só vai colher no final,
muitos parêntesis para dentro. Parecem caminhos bem delineados. Uma vez na
universidade, 30 anos passados, eu disse que Sócrates tinha sido o inventor do
ensino programado, aquela técnica behaviorista de adestramento de cachorros
humanos. Tudo isso nos fala de debates acalorados que foram depurados das
falhas do mestre de Platão. Tudo pensado e repensado, de modo a nunca
evidenciar a mínima falha dele, o que deveríamos esperar de qualquer ser
humano, por melhor que ele fosse. E assim, através de 2,5 milênios, a boiada
socrática tem dito e repetido sempre a mesma ladainha curiosa: a infalibilidade
do mestre.
Platão foi o São Paulo de Sócrates,
embora sem conseguir o que aquele conseguiu, por falta de fervor e empenho, e
de mensagem de fundo, na realidade, pois os gregos eram segregacionistas,
exclusivistas, ao passo que a lição de Jesus foi a integração de todo o gênero
humano.
A meu ver, ainda que Sócrates possa
realmente ter sido homem simples e cordato, seus discípulos orgulhosos o
perderam para a posteridade, principalmente quando arranjaram seus diálogos
para que jamais houvesse mínimo tropeço. Isso foi ruim, porque nitidamente
podemos ver que ninguém é tão perfeito assim. Exceto, é claro, se for Deus.
Vitória, sexta-feira, 30 de maio de
2003.
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