quarta-feira, 25 de janeiro de 2017


A Multiplicação da Verdade


 

                            Suponha que você, detentor dos fatos, tente comunicá-los e haja uma perda na transmissão e uma perda na reconversão ou recepção. Só para caminhar rápido, imagine que é de 30 % a soma delas, de modo que do total a cada vez passem somente 70 %. Assim sendo, você comunica com total sinceridade a um dos seus quatro amigos mais próximos, chegando a ele 70 % do que seria a verdade completa. Porque o mundo dele é outro por palavras e imagens, em palavrimagens, em PAL/I a transcrição teria outra formestrutura, havendo essa perda de 30 %, a qual se dá também quando ele conta a um DOS SEUS amigos mais íntimos, um dos quais é você, mas três dos quais são estranhos, ou mesmo conhecidos. Eles também recebem na mesma base de 30 % de perda, de modo que o terceiro a saber já está com 49 % da verdade. Na terceira contagem, quarto a saber já baixou a menos de 35 %, depois a menos de 25 % e assim sucessivamente, de modo que lá para frente há uma versão de 1 % da verdade original, com 99 % de modificações. Ainda é a verdade? Sim, pois a verdade é relativa, só a mentira é absoluta.

                            Porisso no meu serviço reclamam que eu não conto minha vida a ninguém. De fato, só coloco por escrito, porque depois será possível contrastar o que eu realmente disse com aquilo que dirão que eu disse e eu não só nunca disse como sequer pensei. Assim, só o que escrevo foi o efetivamente vivido e provará quantas mentiras foram inventadas a meu respeito. E a respeito de tantas pessoas, especialmente as públicas. Um colega de infância brincou que nos tempos em que eu andei “sumido” eu teria participado de guerrilhas; nunca, nem remotamente. E, é claro, eu nunca sumi, só estive escrevendo, sem tempo ou desejo de ir às festas.

                            Aliás, renderia teses de mestrado, doutorado e pós-doutorado distinguir quanto do que se afirma da vida das pessoas não passa de deslavadas mentiras. Vai daí que as pessoas públicas nunca existiram de fato – porque a mistura de invenções com a realidade não passa de mentiras, como disse Zaratustra ou Zoroastro: meia verdade é igual a mentira inteira. O que, aliás, ele pode nunca ter afirmado. Como iremos saber?

                            Vitória, quarta-feira, 22 de janeiro de 2003.

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