Puxando pela Idéia
O povo fala assim
quando quer dizer que deve se deter detalhadamente num determinado assunto, ou
seja, quando deve investigar. Naturalmente, não estando
acostumado a esse tipo de exigência, sofre com isso, e esse sofrimento é
espelhado pelo verbo PUXAR, com o sentido que há de tração, de forçamento.
Então, para o povo,
“puxar pela ideia” não é coisa usual, não é trivial, pelo contrário, é difícil,
é penoso – coisa que só a intelectualidade pode fazer sem sofrer. Daí que
“puxar pela idéia” não seja visto com bons olhos, pelo contrário, é indício de
suplício e até de angústia, que as pessoas “normais” não deveriam tentar, em
vista do perigo implícito. Interpretar o povo é muito divertido e fonte de
prazer inesgotável, pelo sim e pelo não.
Onde está a Ideia?
A Ideia geral está
“lá longe”, é uma coisa distinta da pessoa (indivíduo, família, grupo, empresa)
que pensa, que tem cérebro, que detém parcela de humanidade. É para o povo fonte
inequívoca de dor e de confusão. Portanto, “puxar pela ideia” é perigoso, pode
mergulhar no conflito e até endoidecer, enlouquecer a pessoa, embaralhar sua
mente.
Do outro lado,
claro, estão as elites, essas que conseguem pensar, que podem ter novas
memórias, através da inteligência, que com essa remodelação predam os povos,
que através do “fazer melhor”, do “fazer novo”, mais e melhor, em mais elevado
patamar de rendimento ou eficiência conseguem suprimir os fazeres e os teres
antigos, substituindo-os pelos novos fazeres e os novos teres, as novas riquezas,
as transformações das formas, dando os saltos qualitativos, ou seja, promovendo
impiedosamente as revoluções renovadoras, produtoras do re-novo.
Pois as massas só
sabem promover re-formas, pequenas atualizações das formas, ou seja, adaptações
minúsculas, sem qualquer salto ou projeção de grande porte.
Assim, ser massa ou
povo é candidatar-se à metade ou aos 50 % que necessariamente ficarão para
trás, na retaguarda do fazer e do ter. SEMPRE haverá pobres e miseráveis,
estatisticamente a metade que retarda. A questão, então, não é nem pode ser
essa, como já mostrei exaustivamente no modelo, e sim o que fazer das ideias
que são puxadas. Se elas vão beneficiar a todos ou vão segregar alguns em
guetos.
A questão crucial
não é que metade não saiba “puxar pela ideia” e sim como se comporta a que o
faz; se ingenuamente puxará só para a sardinha de sua tranquilidade a brasa das
ideias, ou se será libertária, de visão mais larga, contaminando o fazer baixo
com o fazer alto. Esta foi, em grande resumo, a postulação de Jesus – a
abertura do fazer do mundo, o fazer baixo sustentando o alto com o trabalho e o
saber alto apoiando o baixo com sua extração de ideias.
Vitória, domingo, 11
de agosto de 2002.
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