Pelo Menos em Teoria
As pessoas dizem:
“isso deve funcionar, pelo menos em teoria”. Disso podemos extrair
extraordinária carga de pensamentos.
Em primeiro lugar,
fica a precaução, o fato de que, no passado, teorias que pareciam explicar
muito de fato não conseguiram dar conta do recado. Coube com o futuro o fim do
orgulho, unilateral que é sempre. Uma pequenina dose de desconfiança em relação
à potência explicativa.
Em segundo lugar, a
prática é um gênero de teoria fraca, como eu já disse, uma teoria não
sistematizada, ao passo que a teoria é a prática sistemática – poderíamos falar
até de uma TEORIA DA SISTEMATIZAÇÃO, teoria da teoria, teorização ou
epistemologia da epistemologia, teoria do conhecimento da teoria do
conhecimento – uma meta-teoria. A teoria é o senso-bom dos prevenidos, enquanto
a prática é o bom-senso dos desprevenidos, dos que não desconfiam de si mesmos.
Embora a teoria seja a prática forte, ela não totaliza, e o povo sabe disso, o
que tranqüiliza em relação ao domínio infinito.
Em terceiro lugar,
podemos raciocinar que a teoria busca DIÁLOGO NATURAL, quer dizer, ela não se
reveste de certeza desde o início, é um funil do empreendimento mental, é um
cone com um canudinho muito estreito na ponta. Seleção artificial, com a
sobrevivência das teorias mais aptas. Ou seja, ele deve remeter-se ao mundo,
para ser repudiada ou não, estando então sujeita ao retalhamento pelas outras
teorias, num ambiente de extrema competição.
Em quarto lugar, há
o desprezo popular pela magnificente penúria, esplêndida pobreza mental das
elites, que pretendem substituir a Tela Final, onde ELI, Natureza/Deus, Ela/Ele
chega a um acordo final e definitivo a respeito do Pluriverso, por suas parcializações,
atos permanentes de produzir as versões parciais do universo. O povo ri disso,
à socapa, dissimuladamente, aquele risinho baixo de deboche.
Poderíamos continuar
indefinidamente, dá muitas teses de mestrado e doutorado. Não interessa, o
principal é perceber que há de fato bastantes motivos para riso, para um calor
interno de reconhecimento da risibilidade, a qualidade do que é risível, que
como disse Umberto Eco n’O Nome da Rosa, é o que salva de qualquer
ditadura e toda tirania. Porque, pela resistência interna, nós nunca
sucumbimos.
E essa aversão
interior é demonstrada por essa frase: “pelo menos em teoria”. Não vai
funcionar completamente, em total azeitamento – em algum momento vai dar pau,
vai dar tilte, vai engastalhar, vai dar bode, vai enganchar, vai torcer.
Então, por essa
pontinha, as elites estão presas ao reconhecimento implícito de que não há
totalização possível. Pelo menos em teoria.
Vitória, domingo, 11
de agosto de 2002.
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