sexta-feira, 23 de dezembro de 2016


Pelo Menos em Teoria

 

                            As pessoas dizem: “isso deve funcionar, pelo menos em teoria”. Disso podemos extrair extraordinária carga de pensamentos.

                            Em primeiro lugar, fica a precaução, o fato de que, no passado, teorias que pareciam explicar muito de fato não conseguiram dar conta do recado. Coube com o futuro o fim do orgulho, unilateral que é sempre. Uma pequenina dose de desconfiança em relação à potência explicativa.

                            Em segundo lugar, a prática é um gênero de teoria fraca, como eu já disse, uma teoria não sistematizada, ao passo que a teoria é a prática sistemática – poderíamos falar até de uma TEORIA DA SISTEMATIZAÇÃO, teoria da teoria, teorização ou epistemologia da epistemologia, teoria do conhecimento da teoria do conhecimento – uma meta-teoria. A teoria é o senso-bom dos prevenidos, enquanto a prática é o bom-senso dos desprevenidos, dos que não desconfiam de si mesmos. Embora a teoria seja a prática forte, ela não totaliza, e o povo sabe disso, o que tranqüiliza em relação ao domínio infinito.

                            Em terceiro lugar, podemos raciocinar que a teoria busca DIÁLOGO NATURAL, quer dizer, ela não se reveste de certeza desde o início, é um funil do empreendimento mental, é um cone com um canudinho muito estreito na ponta. Seleção artificial, com a sobrevivência das teorias mais aptas. Ou seja, ele deve remeter-se ao mundo, para ser repudiada ou não, estando então sujeita ao retalhamento pelas outras teorias, num ambiente de extrema competição.

                            Em quarto lugar, há o desprezo popular pela magnificente penúria, esplêndida pobreza mental das elites, que pretendem substituir a Tela Final, onde ELI, Natureza/Deus, Ela/Ele chega a um acordo final e definitivo a respeito do Pluriverso, por suas parcializações, atos permanentes de produzir as versões parciais do universo. O povo ri disso, à socapa, dissimuladamente, aquele risinho baixo de deboche.

                            Poderíamos continuar indefinidamente, dá muitas teses de mestrado e doutorado. Não interessa, o principal é perceber que há de fato bastantes motivos para riso, para um calor interno de reconhecimento da risibilidade, a qualidade do que é risível, que como disse Umberto Eco n’O Nome da Rosa, é o que salva de qualquer ditadura e toda tirania. Porque, pela resistência interna, nós nunca sucumbimos.

                            E essa aversão interior é demonstrada por essa frase: “pelo menos em teoria”. Não vai funcionar completamente, em total azeitamento – em algum momento vai dar pau, vai dar tilte, vai engastalhar, vai dar bode, vai enganchar, vai torcer.

                            Então, por essa pontinha, as elites estão presas ao reconhecimento implícito de que não há totalização possível. Pelo menos em teoria.

                            Vitória, domingo, 11 de agosto de 2002.

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