segunda-feira, 26 de dezembro de 2016


Os Canais de Marte

 

                            Alberto Delerue, em seu livro O Sistema Solar (viagem ao reino do Sol através das mais recentes conquistas espaciais), Rio de Janeiro, Ediouro, 2002, p. 123, diz: “O exemplo mais patético daqueles que viriam a povoar Marte de uma autêntica civilização, antiga e adiantada, foi certamente o do astrônomo americano Percival Lowell, falecido em 1916”.

                            Por quê, patético (apaixonado, comovente, confrangedor, enternecedor, tocante, segundo o dicionário eletrônico incorporado)? No quê isso nos provocaria um sentimento de piedade? Ora, Lowell (1855 a 1916, 61 anos entre datas) era e é astrônomo muito respeitado, fundador do Observatório de Flagstaff, no Arizona, EUA. Adiantou uma hipótese de trabalho, com base nos dados disponíveis e errou – todo mundo pode errar, sendo humano.

                            Continua nas páginas seguintes o autor: “Além disso – insistia Lowell -, as constantes mudanças de coloração, detectáveis na sua superfície, eram certamente devidas à sua abundante vegetação. E acrescentava: os cinturões verdes em Marte seriam os responsáveis pela formação de verdadeiros oásis que circundavam extensos terrenos áridos e desérticos”. Talvez não haja oásis nem canais de irrigação, mas certamente há água, pois as fotografias mostraram canais escavados por movimento de líquidos, extensos canhões (muito maiores que o Grand Canyon) erodidos.

                            E mais abaixo coloca a palavra de Lowell: “(...) pois se os mesmos foram cavados para fins de irrigação, é evidente que o que vemos, e o que chamamos de canal, não é ele, e sim a faixa de terra fertilizada que o margeia. Quando, aqui mesmo da Terra, observamos um canal de irrigação, a certa distância, é sempre a faixa de verdura que se vê, não o canal em si”. Ele estava certo: o que provoca então a mudança de coloração, e o que enferrujou o planeta, o que provocou o aparecimento de tanto ferro superficial senão a presença de um oxidante, a própria água?

                            Segue o autor: “(...) a intransigente e corajosa defesa de suas idéias lhe valeu, na época, muitas críticas mordazes e até zombarias”. Pois bem, se as pessoas (cientistas e jornalistas, todos muito espertos) não tivessem sido tão ferinas, se não tivessem tão intempestivamente destruído as crenças errôneas (mas honestas) de Lowell, o programa espacial estaria 50 anos mais adiantado. Se houvesse a mínima chance de uma segunda civilização, logo ali pertinho (e não nas estrelas, situadas a zilhões de quilômetros adiante), o interesse em ir lá seria incomparavelmente maior. Foi perdida uma excelente oportunidade, pois com a Lua podemos ver nitidamente que não há nada lá, enquanto com Marte pairaria a dúvida.

                            Na outra página, segundo disse em 1874 o astrônomo Edward Barnard: “Alguns de seus canais não são, absolutamente, linhas retas. Mais bem examinados, são muito irregulares e interrompidos em alguns trechos. Diante de tudo o que verifiquei, acredito firmemente que os canais desenhados por Schiaparelli são uma falácia, o que será comprovado antes que se passem algumas gerações”.

                            Remontemos a Giovanni Virginius Schiaparelli, astrônomo italiano (1835 a 1910, 75 anos entre datas), que descobriu os canali marcianos em 1877. Na língua dele, como no português, canais tanto podem ser naturais quanto artificiais. Por exemplo, dizemos, o canal do rio, o canal de entrada no porto (tanto o natural quanto o que é escavado periodicamente, para facilitar a entrada de navios de grande calado). Na língua inglesa CANAL quer dizer sempre coisa artificial. Daí, IMAGINARAM que Schiaparelli tinha falado de canais artificialmente produzidos, o que nunca foi o caso.

                            O erro não estava com o italiano. Agora, Lowell foi movido pela boa fé. Na página 126 Delerue diz: “Instrumentos mais modernos e sofisticados vieram provar, mais tarde, que as condições em Marte estavam longe de permitir o abrigo de uma civilização como imaginava Lowell”, e na p. 127: “(...) dificilmente permitiria a existência de água em estado líquido na superfície. O fato, no entanto, não exclui a possibilidade da existência de água líquida nas entranhas de seu solo, de suas rochas e nos pequenos grãos de areia de suas imensas dunas”.

                            A Bandeira Elementar (ar, água, terra/solo e fogo/energia) está presente em Marte, embora em condições diversas das da Terra. Que sabemos da Vida que ela gera? Ainda há pouco só tínhamos dois reinos biológicos, tendo sido acrescentado um terceiro, o Arquea. Não conhecíamos a vida que é produzida nas profundidades abissais, perto dos vulcões da fissura da Cadeia Meso-Atlântica, e de outras cadeias. Não sabíamos da vida sob os gelos da Antártica, oculta há 10 ou há 30 milhões de anos. Só na Terra, onde tudo é muito igual, há milhões de espécies, cada uma com sua solução para o ambiente.

                            Que dizer então da vida nos planetas ou nos satélites?

                            É muita arrogância e desconsideração!

                            O pobre do Lowell sofreu nas mãos dos bandidos, apenas porque teve coragem de projetar sua mente, embora baseado numa ilusão, que em todo caso nem é total. E, depois, pode realmente haver canais artificiais nas profundezas marcianas. Que sabemos nós? A solução só tem de existir, ela não precisa pedir licença a ninguém.

                            Vitória, segunda-feira, 26 de agosto de 2002.

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