sexta-feira, 23 de dezembro de 2016


O Chute de Swift

 

                            No livro de Alberto Delerue, O Sistema Solar (viagem ao reino do Sol através das mais recentes conquistas espaciais), Rio de Janeiro, Ediouro, 2002, p. 154, ele diz: “Jonathan Swift (1667-1745), o criador do imortal Capitão Gulliver, ao relatar as fantásticas andanças de seu herói por terras imaginárias, refere-se ao enorme interesse dos habitantes de Laputa pela astronomia e a ‘descoberta’ do par de satélites marcianos. Narra Swift: ‘Eles [os laputenses] descobriram ainda duas estrelas inferiores, ou satélites, que giram em torno de Marte, das quais a mais interna dista do centro do planeta exatamente três diâmetros e a mais afastada cinco. A primeira completa sua órbita no espaço de dez horas, e a outra em vinte e uma horas e meia. Assim, o quadrado dos seus tempos periódicos se aproxima, proporcionalmente, aos cubos de sua distância ao centro de Marte, o que demonstra serem governados pelas mesmas leis de gravitação que influenciam os outros corpos celestes’”, grifos meus.

                            Johannes Kepler foi astrônomo alemão, tendo vivido de 1571 a 1630, 59 anos entre datas; são deles várias leis, inclusive essa que relaciona quadrados dos tempos e cubos das distâncias, na realidade proporcionalidade dos quadrados das revoluções e dos cubos das distâncias. Jonathan Swift foi escritor irlandês, 1667 a 1745, 78 anos entre datas. Isaac Newton foi matemático, filósofo, astrônomo e físico inglês, 1642 a 1727, 85 anos entre datas.

                            Alinhando, temos:

·        Kepler, 1571 a 1630;

·        Newton, 1642 a 1727;

·        Swift, 1667 a 1745.

Em vista disso, Swift nasceu quando Kepler já estava morto há 37 anos. Foi contemporâneo de Newton, tendo nascido quando este já contava 25 anos. Quando atingiu os 18 anos, Newton já estava na sua maturidade, tendo apresentado suas leis de gravitação.

Swift sabia, com certeza, dessas coisas.

Até aí nenhuma surpresa.

Entrementes, Marte de fato possui dois satélites, Fobos e Deimos. Fobos (terror) tem 13 km de diâmetro maior e foi descoberto em agosto de 1877, portanto, 132 anos depois da morte de Swift. Seu período de revolução é de 1,262441 dia, e sua distância média 23.487 km. Deimos (fuga) tem 8 km de diâmetro maior e foi descoberto em 11 de agosto de 1877 pelo astrônomo norte-americano Asaph Hall (1829-1907), o mesmo que descobriu Fobos.Seu período de revolução é de 0,318910 dia e sua distância média ao planeta é de 9.350 km. São dados de Ronaldo Rogério de Freitas Mourão.

O diâmetro de Marte é 6.792 km, daí que Deimos, o satélite mais interno, fique a 1,38 DM (diâmetros de Marte) e Fobos, o mais externo, se situe a 3,46 DM, por comparação com 3,00 e 5,00, exata e respectivamente. Quanto aos períodos, Swift não falou deles, mas quanto às translações, disse que seriam de 10 h 00 min e 21h e 30 min, quando na realidade são de 7h 30 min e 30 h 14 min, respectivamente, no livro do autor citado logo no começo, Delerue.

Vê-se que Swift, excelente contador de estórias, maravilhoso contista, errou quase tudo, acertando que eram dois os satélites, porque se Vênus não tinha, a Terra tinha um, Marte deveria ter dois, já que Júpiter tinha quatro (que Galileu havia descoberto logo na primeira olhada). 0, 1, 2, 4, uma série matemática. Chutou e deu certo, nisso, enquanto no restante foi infeliz. Acertou ao apostar na regularidade do universo, o que é verdadeiro até certo ponto; mas Júpiter não tem somente quatro satélites, tem muitos, mais de vinte, e por outro lado Fobos e Deimos não são satélites verdadeiros, não passam de pedregulhos capturados, umas batatas que vagavam pelo sistema e ficaram aprisionadas pelo planeta.

Em resumo, os ficcionistas de FC podem parecer assombrosos quando seguem de perto a tecnociência de sua época e fazem algumas projeções cuidadosas. Porém a tecnociência é muito mais assombrosa, PORQUE o universo é muitíssimo mais assombroso e espetacular.

Vitória, terça-feira, 20 de agosto de 2002.

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