domingo, 25 de dezembro de 2016


A Sobrevivência do Menos Apto

 

                            No livro de Gilson Schwartz, As Profissões do Futuro, São Paulo, Publifolha, 2000 (série Folha Explica), p. 74, ele diz: “(...) sobrevive quem for capaz de levar adiante o conhecimento, sempre incompleto, a cada nova situação, a cada solução temporária. Ter sensibilidade e perceber os novos problemas que vão surgindo, aliás, torna-se uma habilidade ainda mais decisiva que a capacidade de resolver um determinado problema. Pois é na identificação dos problemas, na percepção de anomalias (na vida individual, na vida social, na empresa, nos mercados) que está a semente das grandes descobertas e das grandes oportunidades de fazer negócios, criar produtos, inventar, atender a carências, abrir mercados e acumular riqueza” E, mais abaixo na mesma página: “(...) mas apenas um estado permanente de busca, estado que por si só vai criando novos problemas e, portanto, produzindo eventos e situações históricas”.

                            A partir disso podemos raciocinar muito.

                            Em primeiro lugar, vamos numerar as indicações dele, enquanto índices ou apontamentos para a sobrevivência.

1)      Levar adiante (e para cima) o conhecimento, que é sempre incompleto, quer dizer, aberto aos que chegam –sabendo-se que toda solução vai ser provisória, você não pode acomodar-se nela, nem viver gozando os louros da anterioridade;

2)     Ter sensibilidade para perceber os novos problemas, os engasgamentos da sócioeconomia;

3)     Tal capacidade de sacar os novos entravamentos (os velhos impedimentos já têm gente cuidando deles há bastante tempo, você vai entrar com atraso e considerável desvantagem);

4)     A percepção de anomalias é a chave para as grandes descobertas. Vê-se que não adianta prestar atenção à ortodoxia, as soluções para ela já foram pensadas no passado, e já estão rendendo frutos para outros;

5)     O que traz as descobertas é um estado permanente de busca, de pesquisa & desenvolvimento, teórica & prático, respectivamente. Não pode haver esmorecimento, nem acomodamento.

São bons conselhos, mas devemos pensar o que seja aptidão.

O modelo trouxe o desconforto, em relação à nossa permanência passada na adoração de um só pólo, de nos obrigar a pensar que aptidão é também inaptidão, e vice-versa, pois o quarto mundo é inapto em relação ao primeiro, ao passo que dentro dele alguns são aptos em relação a outros, ainda mais atrasados. E todos sobrevivem no mesmo planeta, não é? Já falei disso.

Já se falou muito da sobrevivência do mais apto, do mais hábil, do que está na frente de ondas das mudanças. Quase nada se disse da sobrevivência do menos apto, o que renderá doravante muitas teses de mestrado e doutorado. Como é que o menos apto sobrevive? Que artifícios psicológicos usa na luta pela sobrevivência artificial e na seleção artificial? Que artifícios psicanalíticos ou de figuras, que artifícios psico-sintéticos ou de objetivos, que artifícios econômicos ou de produção, que artifícios sociológicos ou de organização, que artifícios geo-históricos ou espaçotemporais? Os esquimós ou innuits são menos aptos em vários valores que os das nações industrialmente avançadas prezam, mas eles sobrevivem, não é?, e vão muito bem.

Observe que o conceito de aptidão deve mudar.

Como tudo é ciclo, como as nações de cima irão para baixo, como é que se dá essa transição? Como é que elas pervertem suas fitas psicológicas de herança, pessoais (perversão dos indivíduos, perversão das famílias, perversão dos grupos, perversão das empresas) e ambientais (perversão dos municípios/cidades, perversão dos estados, perversão das nações e perversão do mundo)? Você vai notar que elas param de inventar, param de solucionar problemas, acomodam-se no aproveitamento do passado, em lugar de recriar constantemente o futuro. Outros se tornam mais inventivos e tomam as rédeas da posteridade. E são justamente os que eram menos aptos que dão essa volta por cima, que os de língua inglesa chamariam de turnover, renovação dos estoques (aqui psicológicos).

Vitória, quarta-feira, 21 de agosto de 2002.

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