A Sobrevivência do Menos Apto
No
livro de Gilson Schwartz, As Profissões do Futuro, São Paulo,
Publifolha, 2000 (série Folha Explica), p. 74, ele diz: “(...) sobrevive quem
for capaz de levar adiante o conhecimento, sempre incompleto, a cada nova
situação, a cada solução temporária. Ter sensibilidade e perceber os novos
problemas que vão surgindo, aliás, torna-se uma habilidade ainda mais decisiva
que a capacidade de resolver um determinado problema. Pois é na identificação
dos problemas, na percepção de anomalias (na vida individual, na vida social,
na empresa, nos mercados) que está a semente das grandes descobertas e das
grandes oportunidades de fazer negócios, criar produtos, inventar, atender a
carências, abrir mercados e acumular riqueza” E, mais abaixo na mesma página:
“(...) mas apenas um estado permanente de busca, estado que por si só vai
criando novos problemas e, portanto, produzindo eventos e situações
históricas”.
A
partir disso podemos raciocinar muito.
Em
primeiro lugar, vamos numerar as indicações dele, enquanto índices ou
apontamentos para a sobrevivência.
1) Levar adiante (e para cima) o
conhecimento, que é sempre incompleto, quer dizer, aberto aos que chegam
–sabendo-se que toda solução vai ser provisória, você não pode acomodar-se nela,
nem viver gozando os louros da anterioridade;
2) Ter sensibilidade para perceber os
novos problemas, os engasgamentos da sócioeconomia;
3) Tal capacidade de sacar os novos
entravamentos (os velhos impedimentos já têm gente cuidando deles há bastante
tempo, você vai entrar com atraso e considerável desvantagem);
4) A percepção de anomalias é a chave
para as grandes descobertas. Vê-se que não adianta prestar atenção à ortodoxia,
as soluções para ela já foram pensadas no passado, e já estão rendendo frutos
para outros;
5) O que traz as descobertas é um estado
permanente de busca, de pesquisa & desenvolvimento, teórica & prático,
respectivamente. Não pode haver esmorecimento, nem acomodamento.
São bons
conselhos, mas devemos pensar o que seja aptidão.
O modelo
trouxe o desconforto, em relação à nossa permanência passada na adoração de um
só pólo, de nos obrigar a pensar que aptidão é também inaptidão, e vice-versa,
pois o quarto mundo é inapto em relação ao primeiro, ao passo que dentro dele
alguns são aptos em relação a outros, ainda mais atrasados. E todos sobrevivem
no mesmo planeta, não é? Já falei disso.
Já se falou
muito da sobrevivência do mais apto, do mais hábil, do que está na frente de
ondas das mudanças. Quase nada se disse da sobrevivência do menos apto, o que renderá
doravante muitas teses de mestrado e doutorado. Como é que o menos apto
sobrevive? Que artifícios psicológicos usa na luta pela sobrevivência
artificial e na seleção artificial? Que artifícios psicanalíticos ou de
figuras, que artifícios psico-sintéticos ou de objetivos, que artifícios
econômicos ou de produção, que artifícios sociológicos ou de organização, que
artifícios geo-históricos ou espaçotemporais? Os esquimós ou innuits são menos
aptos em vários valores que os das nações industrialmente avançadas prezam, mas
eles sobrevivem, não é?, e vão muito bem.
Observe que
o conceito de aptidão deve mudar.
Como tudo é
ciclo, como as nações de cima irão para baixo, como é que se dá essa transição?
Como é que elas pervertem suas fitas psicológicas de herança, pessoais
(perversão dos indivíduos, perversão das famílias, perversão dos grupos,
perversão das empresas) e ambientais (perversão dos municípios/cidades,
perversão dos estados, perversão das nações e perversão do mundo)? Você vai
notar que elas param de inventar, param de solucionar problemas, acomodam-se no
aproveitamento do passado, em lugar de recriar constantemente o futuro. Outros se
tornam mais inventivos e tomam as rédeas da posteridade. E são justamente os
que eram menos aptos que dão essa volta por cima, que os de língua inglesa
chamariam de turnover, renovação dos estoques (aqui psicológicos).
Vitória,
quarta-feira, 21 de agosto de 2002.
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