Super-Distinto
Essa versão do
Super-Homem desdizia tudo que a gente sabe daquele outro, o boa-praça, o amigo
das gentes, o defensor dos fracos e oprimidos, o herói dos povos, a Última
Barreira Contra o Mal.
Pode esquecer.
ESTE SUPER-HOMEM, meu
caro, era todo não-me-toques, cheio de pruridos, isolacionista. Para começar
nem vestia blazer, era de terno para cima. Nada de paletó com calça jeans, nada
feito, era só de terno para cima, de fraque e cartola, de terno risca-de-giz,
nos trinques mesmo. PARA COMEÇAR ele nem era repórter roscofinho do jornal, era
diretor-presidente e só ia de carro para o trabalho, com direito a motorista e
tudo, pois era limusine, dificílima de estacionar, oito metros de comprimento.
OS
TERNOS DO SHD
(não tinha ponta de estoque nem retalho, nem pechincha, nem liquidação nem nada
disso, sai pra lá, pobreza)
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Se a ONU queria ajuda
para debelar alguma revolta num país pobretão - que não interessava aos EUA
esmagar com seu vastíssimo poder super-tecnocientífico - e apelava ao
SH-distinto, tinha de marcar hora para o secretário geral Kofi Annan ir
pessoalmente pedir. E ele tinha de agendar o ataque, senão o gostosão não ia.
Com direito a imprensa e tudo.
Também, com ternos
encomendados aos melhores alfaiates, com mulheres aos montes penduradas nele,
com muito dinheiro, com carros de três milhões de dólares até eu, né? Quem
teria tempo para mais nada. Até eu.
É ruim dele aceitar
qualquer tarefa.
Conter geleira que
está deslizando para o mar ou tentar reduzir o efeito do aquecimento global com
o super-sopro frio dele? Nem pensar. Ele dizia que tinha mais o que fazer e ia
jogar palitinho com os amigos, o pulha.
Ai, ai. Ajudar cego a
atravessar a rua? Tá doido! Ajudar criancinha que caiu e ralou o joelho? Nem
pensar. Ajudar mulher cuja sacola de compras estourou a recolher as frutas e
verduras do chão? Nunquinha!
Que democracia que
nada.
A mão invisível que
arranje mãos-ajudantes se quiser dar conta do recado. Com tanto vinho delicioso
pra tomar, com tanta cerveja boa, com tantos aperitivos (rico não come
tira-gostos) para beliscar, com tantos canapés para filar em festas, com tantos
diamantes (fabricados por ele com super-pressão, mandava lapidar pelos
joalheiros da Holanda e oferecia como se fossem naturais) a presentear às
mulheres para conseguir seus favores, ah, meu Deus, cê deve estar brincando que
ele se rebaixaria a ajudar a humana-ralé (juro que um dia quando estávamos
sozinhos ele falou isso, só não posso provar; eu tava com um gravador, ele viu
com a visão de raios X, destruiu, e foi nesse dia que peguei esse afundamento
na cabeça, ainda bem que não deu concussão, não houve danos; nunca mais tentei
nada, aquele filho duma puta).
Serra, quinta-feira,
04 de outubro de 2012.
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