domingo, 9 de outubro de 2011
Foram criados 4,2 milhões de leis no país nas últimas duas décadas
É de enlouquecer. Foram criados 4,2 milhões de leis no país nas
últimas duas décadas. A maioria delas só serve para atrapalhar a vida dos
brasileiros e tratá-los como cidadãos-bebês.
O Brasil vem acertando o passo com a modernidade em diversas esferas
da vida nacional. Existem ilhas de excelência na iniciativa privada e
bem-sucedidas experiências de gestão pública em muitos estados da federação.
Mas o coração da máquina legal que rege as relações produtivas no Brasil
ainda é um aparato pombalino, arcaico, complexo e totalmente inadequado para
os desafios propostos aos brasileiros neste século XXI.
O Brasil tem leis demais, lavradas em linguagem rebuscada demais, o
que deixa dúvida sobre sua interpretação. Essas leis se embaralham acima com
artigos da Constituição, que sofre dos mesmos pecados, e abaixo com um cipoal
de portarias e resoluções que brotam como erva daninha todos os dias.
O resultado de tantas leis é um emaranhado jurídico que, em vez de
promover o funcionamento das instituições, tem o efeito contrário, de
provocar o caos, o estado semisselvagem das sociedades sem lei.
Esta reportagem mostra como o excesso de ordenações jurídicas em
todos os níveis é um atraso para o Brasil ao entronizar a burocracia como um
fim em si mesmo. Não é apenas o excesso de leis que atrapalha, são os
absurdos que saem da cabeça do legislador brasileiro. Enquanto isso, leis
que realmente ajudariam a fazer do Brasil um país menos pesado para os brasileiros
ficam paradas no Congresso Nacional. Alguns exemplos:
Por que parou a Tramitação da lei de
Transparência que obriga o governo a divulgar a qualquer cidadão informações
sobre a execução dos Contratos com empresas privadas?
Por que não se vota logo a lei que determina a
discriminação de quanto de imposto cada cidadão está pagando ao comprar um
bem - seja uma bisnaga de pão, seja um automóvel?
E a lei que disciplina as greves no setor público,
onde anda?
Há anos as leis acima são empurradas com a barriga nas esferas
federais e nunca são aprovadas. Enquanto isso, os textos ruins, pitorescos e
absurdos saem como pão quente rumo às páginas dos diários oficiais e, logo,
estarão sendo usados para atazanar pessoas, atravancar algum processo
produtivo e tirar a eficiência geral da economia.
O Brasil tem um furor legislativo sem igual no mundo. Segundo
levantamento do Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário, desde a
promulgação da Constituição de 1988 que já sofreu 67 emendas - foram
sancionados 4,2 milhões de leis e normas federais, estaduais e municipais.
Alguém que estabeleça como prioridade de vida conhecer todas essas leis vai
morrer frustrado.
Na raiz do excesso de leis - e da abundância de leis cretinas - está a
deformação do papel do legislador brasileiro, que se enxerga, erradamente,
como uma babá que precisa atuar para impedir que o cidadão-bebê se meta em
encrenca. Essa infantilização deriva, por sua vez, da negação do livre-arbítrio
e da capacidade de decisão dos indivíduos.
A pedido de VEJA, seis dos mais conceituados escritórios de advocacia
do país (Barbosa, Müssnich & Aragão; Demarest & Almeida; Emerenciano,
Baggio e Associados; Machado, Meyer, Sendacz e Opice; Tozzini Freire; e
Veirano Advogados) listaram as leis que, na opinião deles, mais prejudicam
os brasileiros. "Basta surgir uma polêmica e logo aparece a ideia de
fazer uma lei. Propaganda infantil? Não se preocupe, sociedade, pode
descansar, faremos uma lei! E esse o erro básico, pois nem todas as questões
se resolvem por meio de legislação específica", afirma o advogado
Adelmo Emerenciano. João Geraldo Piquet Carneiro acrescenta: "No
Brasil, o excesso de leis trai um ímpeto repressor. Isso se revela no arsenal
de medidas provisórias, decretos e atos. As normas satisfazem o instinto
regulador dos burocratas; pessoas que ignoram os custos para a
sociedade".
ALERTA CONTRA O CÂNCER NAS ROUPAS íntimas -
PROJETO DE LEI N° i61, DE 1999
Situação: aguarda votação na Câmara dos Deputados.
O que Determina: as calcinhas vendidas no país devem ter etiquetas
recomendando exames de detecção de colo de útero, os sutiãs, de câncer de
mama, e as cuecas, de câncer de próstata.
O absurdo: um exemplo típico do
frenesi legislativo do Congresso, que cria leis que só servem para os
deputados mostrarem serviço e atrapalham a vida dos cidadãos. Segundo os
profissionais da saúde, a lei das etiquetas seria inútil, já que esse tipo de
alerta só surte efeito em grandes campanhas de esclarecimento. Além disso, a
lei representaria um enorme ônus para a indústria do vestuário. Uma etiqueta
custa em média 30 centavos - incluindo gastos com estocagem, fixação nas
roupas e impostos. No Brasil, vende-se hoje, anualmente, mais de 1 bilhão
de peças íntimas. Portanto, a indústria teria de desembolsar 300 milhões de
reais extras por ano e o custo, evidentemente, seria repassado ao consumidor.
NOVO PADRÃO DE TOMADAS ELÉTRICAS RESOLUÇÃO 11, DE
2006, DO CONMETRO
Situação: em vigor.
O que determina: os aparelhos de uso doméstico, fabricados no Brasil
ou importados, têm de ser equipados com um novo tipo de plugue, de dois ou
três pinos e formato diferente do de qualquer outro no mundo.
O absurdo: o mais simples e eficaz
seria adotar o modelo americano, que se espalhou pelo planeta e equipa todos
os aparelhos importados. Mas a idéia foi enlouquecer os brasileiros e nos
obrigar a usar uma tomada "jabuticaba", que só existe aqui. A
substituição de todas as tomadas de uma casa de tamanho médio custa 400 reais.
O terceiro pino, o do fio terra, é inútil em casas antigas sem aterramento. O
Inmetro recomenda que se levem os aparelhos antigos a um eletricista para a
troca de plugues. Mais chateação.
PROVA PARA RENOVAR CARTEIRA DE MOTORISTA -
RESOLUÇÃO 168, DE 2004, DO CONTRAN
Situação: em vigor.
O que determina: todos os motoristas habilitados antes de janeiro de
1998, para renovar a carteira, precisam fazer exame teórico sobre direção
defensiva e primeiros socorros, temas que até aquele ano não eram de ensino
obrigatório nas auto escolas.
O absurdo: ora, com a idade, o
motorista não esquece que deve parar no sinal vermelho e não pode andar na
contramão. Com a idade, o motorista pode perder agilidade ao volante, mas
seu conhecimento teórico sobre o trânsito só aumenta. "Nem piloto de
avião precisa fazer outra prova quando renova a licença para voar', lembra
Mauricio Januzzi, presidente da Comissão de Assistência Judiciária da Ordem
dos Advogados do Brasil.
TRANSFERÊNCIA DE MULTA DE TRÂNSITO EM CARTÓRIO -
RESOLUÇÃO 363, DE 2010, DO CONTRAN
Situação: começa a vigorar a partir de novembro.
O que determina: quando alguém é multado dirigindo um carro registrado
em nome de outra pessoa, para que os pontos inflacionais não recaiam sobre o
dono do veículo, ambos devem ir a um cartório, registrar suas assinaturas e
autenticar as firmas num documento a ser enviado ao Detran.
O absurdo: mais um entrave burocrático
resultante da mania do poder público de considerar os cidadãos desonestos até
prova em contrário. Hoje, basta que o motorista infrator envie uma cópia de
sua carteira ao Detran, assumindo a responsabilidade pela infração. Vai
ficar tudo mais complicado.
PALMADINHA NAS CRIANÇAS - PROJETO DE LEI N° 7672,
DE 2010, DO CONGRESSO NACIONAL
Situação: sob análise da Comissão Especial da Câmara.
O que determina: proíbe impor aos filhos castigos físicos, inclusive
palmadinhas leves, recurso que muitos pais consideram apropriado do ponto de
vista pedagógico.
O absurdo: a lei é uma interferência
descabida do estado na vida das famílias. Como se fiscalizaria seu
cumprimento? A polícia teria o direito de invadir o lar dos cidadãos, como
faz com o dos bandidos, caso receba uma denúncia de que o pai aplica
palmadinhas corretivas nos filhos?
ENSINO DE FILOSOFIA E SOCIOLOGIA NAS ESCOLAS -
LEI FEDERAL N° 11684, DE 2008
Situação: em vigor.
O que determina: torna obrigatórias as disciplinas de filosofia e
sociologia nas três séries do ensino médio em todas as escolas do Brasil.
O absurdo: os brasileiros figuram nas
piores colocações em disciplinas como ciência, matemática e leitura, no
ranking do Programa Internacional de Avaliação de Alunos. Em vez de
empreender um esforço para melhorar o quadro lastimável da educação
brasileira, o governo se empenha em tornar obrigatórias disciplinas que, na
prática, só vão servir de vetor para aumentar a pregação ideológica de
esquerda, que já beira a calamidade nas escolas. Uma das metas do currículo
de sociologia no Acre é ensinar os alunos a produzir regimentos internos
para sindicatos.
INCENTIVO AO PORTUGUÊS ERRADO - PARÂMETRO
CURRICULAR NACIONAL DE 1997, DO MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO
Situação: em vigor.
O que determina: os professores não devem corrigir a maneira de falar
dos estudantes.
O absurdo: o documento está ancorado
em uma ideologia segundo a qual distinguir o certo do errado no ensino do
idioma é "preconceito linguístico". Diz o texto: "A escola
precisa livrar-se do mito de que existe uma única forma de falar. É descabido
treinar o uso formal da língua na sala de aula". Descabido é formar
crianças que serão preteridas no mercado de trabalho por não saber usar
corretamente o idioma.
AUMENTO DO IOF NAS COMPRAS NO EXTERIOR - DECRETO
PRESIDENCIAL 7 454, DE 2011
Situação: em vigor.
O que determina: o imposto sobre operações financeiras (IOF) para
mercadorias compradas no exterior com cartão de crédito aumenta de 2,38% para
6,38%. A justificativa do governo é evitar que os brasileiros se endividem
muito em moeda estrangeira.
O absurdo: O decreto é duplamente equivocado.
Primeiro, porque o estado age como tutor, tratando o cidadão como incapaz'
de gerenciar os próprios gastos. Segundo, porque a medida pouco afeta o
consumo dos brasileiros em viagem. "Esse imposto nada mais e do que um
beliscão inoportuno no bolso dos mais abastados. Chamo isso de oportunismo
fiscal", diz o ex-secretário da Receita Federal Everardo Maciel.
FISCALIZAÇÃO BRASILEIRA EM EMPRESAS NO EXTERIOR -
RESOLUÇÃO 29, DE 2010, DA ANVISA
Situação: em vigor.
O que determina: para exportarem para o Brasil, as empresas estrangeiras
fornecedoras de novos produtos para saúde, como marca-passos, próteses e
kits de diagnósticos, precisam passar por inspeção da Anvisa, de modo a obter
um certificado de "boas práticas de fabricação".
O absurdo: é soberba patriotada
acreditar que um órgão técnico brasileiro precisa inspecionar, no exterior,
empresas cuja idoneidade já é assegurada por certificações internacionais de
qualidade, como o International Organization for Standardization (ISO), o
certificado da agência americana de saúde (FDA) ou o certificado equivalente
da União Européia. O único resultado desse contrassenso é a paralisação da
importação dos produtos de saúde, já que a Anvisa não tem' estrutura para dar
conta das solicitações de inspeção dos fornecedores estrangeiros. O órgão
dispõe de poucos técnicos para a função. Há hoje 1000 pedidos de inspeção na
fila de espera. "Pelo ritmo atual, serão necessários mais de quatro anos
para que todos os pedidos sejam atendidos", diz Carlos Eduardo Gouvea,
secretário executivo da Câmara Brasileira de Diagnóstico Laboratorial.
LIMITAÇÃO GEOGRÁFICA - AS RECEITAS MEDICAS -
PORTARIA 344, DE 1998, DO MINISTÉRIO DA SAÚDE
Situação: em vigor.
O que determina: receitas para medicamentos psicotrópicos e
anorexígenos emitidas num estado da federação não valem em outro.
O absurdo: se um carioca consulta um médico em São Paulo, não pode
comprar no Rio de Janeiro o remédio que ele receitou. Segundo a Anvisa, a
medida visa a evitar as falsificações. O argumento é típico da burocracia
brasileira. Se alguém pretende falsificar uma receita, pode fazê-lo na própria
cidade, sem cruzar divisas estaduais.
REMÉDIOS ATRÁS DO BALCÃO - RESOLUÇÃO 44, DE 2009,
DA ANVISA
Situação: em vigor.
O que determina: medicamentos isentos de prescrição médica, como analgésicos
ou antiácidos, não podem mais ficar ao alcance do consumidor nas farmácias.
Eles devem permanecer atrás do balcão e só podem ser vendidos se solicitados
a um atendente. A medida visa a evitar a automedicação.
O absurdo: barrar o acesso direto ao
remédio não evita que alguém o consuma indevidamente. Só a educação e a
informação funcionam nesse caso. Além disso, a automedicação não é um problema
gravíssimo. Dos 26540 casos de intoxicação por medicamentos no Brasil em
2009, só 3% foram provocados por automedicação. "O prejudicado é o consumidor.
A lei cria uma barreira de entrada para novos produtos e marcas, além de
causar constrangimento ao dificultar a comparação de preços", diz Sérgio
Mena Barreto, presidente da Associação Brasileira de Redes de Farmácias e
Drogarias (Abrafarma).
Proibição DAS CÂMARAS DE BRONZEAMENTO - RESOLUÇÃO
56, DE 2009, DA ANVISA
Situação: em vigor.
O que determina: proíbe a compra ou o aluguel de câmaras de bronzeamento
artificial no país para uso estético.
O absurdo: a Anvisa despreza as evidências
científicas de que as câmaras oferecem risco de câncer de pele similar ao
que está sujeito quem toma banho de sol em horários e locais com alta
concentração de raios UV. Será que o órgão vai pôr fiscais nas praias e
piscinas?
Proibição DOS REMÉDIOS PARA EMAGRECER
Situação: sob análise da diretoria colegiada da Anvisa.
O que determina: banir do mercado os emagrecedores que contêm as
substâncias anfepramona, femproporex, mazindol e sibutramina.
O absurdo: a medida deixa sem opção 16
milhões de brasileiros que não conseguem emagrecer apenas com dietas e
exercícios. "A proibição é injustificável", diz o endocrinologista
Alfredo Halpern, de São Paulo. "A obesidade é causada por fatores bem
mais complexos do que falta de força de vontade:'
A VOLTA DO VOTO DE PAPEL - LEI FEDERAL N° 12034,
DE 2009
Situação: a constitucionalidade da lei será julgada pelo Supremo Tribunal
Federal.
O que determina: a partir das eleições de 2014, os
votos, ao serem registrados na urna eletrônica, também devem ser impressos.
Os votos impressos irão para uma urna convencional e serão conferidos com os
votos computados eletronicamente.
O absurdo: a medida é um retrocesso e
abre espaço para que o voto deixe de ser secreto. A conferência manual também
aumenta os riscos de fraude.
REGULAMENTAÇ40 DE CARREIRAS DE NIVEL SUPERIOR - DIVERSAS LEIS FEDERAIS
Situação: em vigor.
O que determina: exige diploma para o exercício de 23 profissões.
O absurdo: em nenhum país as
profissões de nível superior são tão regulamentadas como no Brasil. Nos
Estados Unidos, exige-se aprovação específica para apenas quatro (medicina,
enfermagem, direito e contabilidade).
A DINHEIRAMA DAS CENTRAIS SINDICAIS - LEI FEDERAL
N° 11648, DE 2008
Situação: em vigor.
O que determina: de acordo com a Consolidação das Leis do Trabalho
(CLT), de 1943. todo brasileiro com carteira assinada deve destinar valor
equivalente a um dia de trabalho ao sindicato de sua categoria - mesmo que
não seja sindicalizado. Com a lei de 2008, 10% desse montante passou a
alimentar as centrais sindicais.
O absurdo: os sindicalistas embolsam 2
bilhões de reais por ano dos trabalhadores, sem obrigação legal de prestar
contas sobre o destino da dinheirama.
FIM DA PROPAGANDA INFANTIL NA TV - PROJETO DE LEI
FEDERAL N° 702, DE 2011
Situação: aguarda aprovação na Câmara dos Deputados.
O que determina: proíbe toda e qualquer propaganda para o público
infantil na televisão entre 7 e 22 horas.
O absurdo: poucos governos do mundo,
até hoje, tentaram coibir o impulso de consumo das crianças de forma tão
drástica. Nos Estados Unidos limita-se a propaganda infantil a 20% do tempo
total dos anúncios. Cabe aos pais, e não ao estado, orientar os filhos sobre
as tentações do consumo.
COTA PARA FILMES NACIONAIS - DECRETO PRESIDENCIAL
N° 7414, DE 2010
Situação: em vigor.
O que determina: cinemas com quatro salas ou mais devem exibir no
mínimo seis filmes brasileiros por 196 dias do ano.
O absurdo: o número de filmes com um
mínimo de qualidade produzidos no Brasil é insuficiente para atender à cota.
Ou os cinemas descumprem a lei, ou põem em cartaz filmes antigos, afastando o
público e prejudicando o negócio dos exibidores.
TERRAS QUlLOMBOLAS - DECRETO PRESIDENCIAL N°
4887, DE 2003
Situação: em vigor.
O que determina: regulamenta a identificação e demarcação de terras
remanescentes de quilombos para fins de desapropriação.
O absurdo: um disparate da
antropologia oportunista do governo. Não há necessidade de comprovação de
que as terras a ser desapropriadas realmente abrigavam quilombos à época da
escravidão. Basta uma pessoa se declarar negra e se auto atribuir um pedaço
de terra para tomar posse dele.
REVISTA VEJA | JUSTIÇA (90 a 95) - STF | SUPREMO
TRIBUNAL FEDERAL
COM REPORTAGEM
DE CAROLINA MELO - CARELLI E ALEXANDRE SALVADOR
|
Nenhum comentário:
Postar um comentário