quarta-feira, 26 de outubro de 2016


Gronk VI: Gronk Estimula a Limpeza

 

Tuor viu Gronk fazendo uns movimentos esquisitos com uma vara que tinha uns fiapos presos na ponta.

TUOR – que é isso, Gronk?

GRONK – tô varrendo.

TUOR – varrendo?

GRONK – do verbo varrer, as mulheres fazem isso lá na caverna.

TUOR (chamando GAO) – Gao, vem ver. Não deixa o Ban saber.

GAO – que merda é essa, Gronk?

GRONK – tô varrendo.

GAO – certo, que merda é essa?

GRONK (impaciente) – as mulheres fazem isso lá no terreirão, para afastar as sujeiras.

GAO – certo (ele gostava muito de falar “certo”, parecia que dava bom nível social), mas que merda é essa?

GRONK – é uma coisa nova, invenção delas, deixa o lugar limpo.

TUOR – mas aqui não é o terreirão, estamos longe de lá, aqui é a área de caça.

BAN (irmão do Gronk) – que tanto falatório é esse aí?

TUOR (aborrecido) – agora melou. Nada, não, Ban, o Gronk está explicando uma coisa pra gente.

BAN – Gronk, que merda é essa, pra que essa vara? O que você tá fazendo?

GRONK (enfastiado com a imbecilidade geral) – já expliquei, estou varrendo.

BAN – tá bem, varrendo, mas que merda é essa?

Gronk teve de explicar, explicou direitinho.

MIRANTE (se metendo onde não foi chamado, mais uma das extemporâneas dele, falando a coisa errada no momento errado) – varrer, isso vai ser muito importante no futuro, tem uns caras chamados gurus, tô vendo, eles se vestem de abóbora.

BAN (furioso) – cala a boca, Mirante!

Ban coloca a mão espalmada na testa, fecha os olhos, suspira.

RENIER (nome bem esquisito, as mães que colocam) – Ban, tenha calma, a caçada vai começar em duas horas, precisamos de você.

BAN (suspirando várias vezes) – tô tranquilo, Renier, pode deixar, eu vou me controlar, vou sim, eu consigo.

RENIER – não vá ter um troço.

BAN – não, pode deixar. Gronk, mamãe morreu para você nascer, eu tinha 17 anos, já era homem feito, já estava na guerra da grande proteína, papai chorou um mês inteiro, eu também, ele queria te matar, eu que não deixei, ele ficou amargurado, bateu a cabeça na parede, era homem imenso, maior do que eu, afundou a cabeça, ficou esquecido de um lado, nessas condições o pessoal deixa para morrer, tinham muito respeito por ele, morreu dois anos depois, um esqueleto. Eu que te criei, o pessoal da tribo fez questão que eu fosse chefe, 23 anos já, sou um ancião, você é meu irmão mais novo, os bons já morreram.

Ele colocou os dedos e apertou o nariz, parecia que queria morrer sufocado, Renier se aproximou inquieto, Ban desceu os dedos pela barba, foi se acalmando.

O pessoal ficou em volta, esperando que ele desse um soco em Gronk, não deu, que proteção era essa?

BAN – então, Gronk, vou tentar explicar. LÁ (apontou o indicador, com a mão toda reta) É A CAVERNA, o terreirão, lá onde ficam as mulheres e as crianças e os velhos e as velhas e a gente pequena da América e os portadores de necessidades especiais e os deputados, os governantes e juízes, todos os que mamam na teta e aqui estamos nós, o bravo bando guerreiro tentando escapar das feras que querem se alimentar da gente, etc. NÓS (bate com as duas mãos no peito) ESTAMOS AQUI (coloca o indicador apontando o chão), LONGE DE LÁ (coloca as duas palmas abertas das mãos longe do corpo, indicando o separado). Lá é lá, aqui é aqui, lá não muda nunca, fica sempre no mesmo lugar, aqui muda de lugar o tempo todo. As mulheres têm de juntar os restos e enterrar para não chamar as feras, imagine se as feras fossem comer nossas crianças, por exemplo, as suas (espero que elas tenham em termos de esperteza puxado sua mulher), as da rapaziada aqui.

Nisso vem Tam, que devia ficar de guarda, aliás, veio todo mundo, ninguém ficou vigiando, até Turor e Digor vieram, até Taneu, enfim, veio a putada toda, essa pôrra não vai dar certo, vamos ficar no jejum de carne da grande proteína e da outra carne, você sabe, a carne mijada.

BAN (a angústia dele era patente) – então, Gronk, meu irmãozinho querido, tantas vezes eu quis te jogar para as feras, mas você tem esposa e filhos, eu que queria ter de sustenta-los, chorei aquela vez que mamãe morreu e continuo chorando todo dia que lembro, sou um guerreiro velho. Pois é (joga a mão espalmada para longe do corpo), LÁ LONGE faz sentido, aqui nós só passamos uma vez a cada estação de caça e olhe lá, nem me lembro se já viemos por essa vereda, você acha que faz sentido ficar limpando?

GRONK – acho.

Foi aí que vários bateram nele, Ban não conseguiu evitar, aproveitou e deu uns dois ou três tapas, não contou.

Foi nessa ocasião que inventaram a padiola.

Serra, quarta-feira, 26 de outubro de 2016.

GAVA.

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