Gronk VI: Gronk
Estimula a Limpeza
Tuor viu Gronk
fazendo uns movimentos esquisitos com uma vara que tinha uns fiapos presos na
ponta.
TUOR – que é isso,
Gronk?
GRONK – tô varrendo.
TUOR – varrendo?
GRONK – do verbo
varrer, as mulheres fazem isso lá na caverna.
TUOR (chamando GAO) –
Gao, vem ver. Não deixa o Ban saber.
GAO – que merda é
essa, Gronk?
GRONK – tô varrendo.
GAO – certo, que
merda é essa?
GRONK (impaciente) –
as mulheres fazem isso lá no terreirão, para afastar as sujeiras.
GAO – certo (ele gostava
muito de falar “certo”, parecia que dava bom nível social), mas que merda é
essa?
GRONK – é uma coisa
nova, invenção delas, deixa o lugar limpo.
TUOR – mas aqui não é
o terreirão, estamos longe de lá, aqui é a área de caça.
BAN (irmão do Gronk)
– que tanto falatório é esse aí?
TUOR (aborrecido) –
agora melou. Nada, não, Ban, o Gronk está explicando uma coisa pra gente.
BAN – Gronk, que
merda é essa, pra que essa vara? O que você tá fazendo?
GRONK (enfastiado com
a imbecilidade geral) – já expliquei, estou varrendo.
BAN – tá bem,
varrendo, mas que merda é essa?
Gronk teve de
explicar, explicou direitinho.
MIRANTE (se metendo
onde não foi chamado, mais uma das extemporâneas dele, falando a coisa errada
no momento errado) – varrer, isso vai ser muito importante no futuro, tem uns
caras chamados gurus, tô vendo, eles se vestem de abóbora.
BAN (furioso) – cala
a boca, Mirante!
Ban coloca a mão espalmada
na testa, fecha os olhos, suspira.
RENIER (nome bem
esquisito, as mães que colocam) – Ban, tenha calma, a caçada vai começar em
duas horas, precisamos de você.
BAN (suspirando
várias vezes) – tô tranquilo, Renier, pode deixar, eu vou me controlar, vou
sim, eu consigo.
RENIER – não vá ter
um troço.
BAN – não, pode
deixar. Gronk, mamãe morreu para você nascer, eu tinha 17 anos, já era homem
feito, já estava na guerra da grande proteína, papai chorou um mês inteiro, eu
também, ele queria te matar, eu que não deixei, ele ficou amargurado, bateu a
cabeça na parede, era homem imenso, maior do que eu, afundou a cabeça, ficou
esquecido de um lado, nessas condições o pessoal deixa para morrer, tinham
muito respeito por ele, morreu dois anos depois, um esqueleto. Eu que te criei,
o pessoal da tribo fez questão que eu fosse chefe, 23 anos já, sou um ancião,
você é meu irmão mais novo, os bons já morreram.
Ele colocou os dedos
e apertou o nariz, parecia que queria morrer sufocado, Renier se aproximou
inquieto, Ban desceu os dedos pela barba, foi se acalmando.
O pessoal ficou em
volta, esperando que ele desse um soco em Gronk, não deu, que proteção era
essa?
BAN – então, Gronk,
vou tentar explicar. LÁ (apontou o indicador, com a mão toda reta) É A CAVERNA,
o terreirão, lá onde ficam as mulheres e as crianças e os velhos e as velhas e
a gente pequena da América e os portadores de necessidades especiais e os
deputados, os governantes e juízes, todos os que mamam na teta e aqui estamos
nós, o bravo bando guerreiro tentando escapar das feras que querem se alimentar
da gente, etc. NÓS (bate com as duas mãos no peito) ESTAMOS AQUI (coloca o
indicador apontando o chão), LONGE DE LÁ (coloca as duas palmas abertas das
mãos longe do corpo, indicando o separado). Lá é lá, aqui é aqui, lá não muda
nunca, fica sempre no mesmo lugar, aqui muda de lugar o tempo todo. As mulheres
têm de juntar os restos e enterrar para não chamar as feras, imagine se as
feras fossem comer nossas crianças, por exemplo, as suas (espero que elas
tenham em termos de esperteza puxado sua mulher), as da rapaziada aqui.
Nisso vem Tam, que
devia ficar de guarda, aliás, veio todo mundo, ninguém ficou vigiando, até
Turor e Digor vieram, até Taneu, enfim, veio a putada toda, essa pôrra não vai
dar certo, vamos ficar no jejum de carne da grande proteína e da outra carne,
você sabe, a carne mijada.
BAN (a angústia dele
era patente) – então, Gronk, meu irmãozinho querido, tantas vezes eu quis te
jogar para as feras, mas você tem esposa e filhos, eu que queria ter de
sustenta-los, chorei aquela vez que mamãe morreu e continuo chorando todo dia
que lembro, sou um guerreiro velho. Pois é (joga a mão espalmada para longe do
corpo), LÁ LONGE faz sentido, aqui nós só passamos uma vez a cada estação de
caça e olhe lá, nem me lembro se já viemos por essa vereda, você acha que faz
sentido ficar limpando?
GRONK – acho.
Foi aí que vários bateram
nele, Ban não conseguiu evitar, aproveitou e deu uns dois ou três tapas, não
contou.
Foi nessa ocasião que
inventaram a padiola.
Serra, quarta-feira, 26 de outubro de 2016.
GAVA.
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