terça-feira, 25 de outubro de 2016


Falando com os Meus Botões

 

Eu estava aposentado, falava sozinho.

Divorciado, os amigos distantes, os filhos criando família, eu falava sozinho, e daí? Tem gente que fica o dia inteiro ao celular, isso é como falar sozinho, né?

Eu falava, “botava pra fora”, reclamava de tudo e de todos, sentava o pau no governo e nesses vagabundos todos, vocês tão vendo, só dá ladrão nessa pôrra, é esculhambação total, ai, Jesus, acho que ele nem vai voltar, para encontrar a casa assim? Só se ele mandar alguém fazer faxina antes de vir.

Veja que falava, não conversava, porque não tinha interlocutor, é a ordem das coisas, é a lógica, falar qualquer um pode falar, conversar é que são elas, para conversar é preciso que haja um cérebro do outro lado. É por isso que um amigo conta o que disse um amigo dele lá de Manguinhos: “cérebro hoje em dia é coisa tão importante que quase todo mundo tem”.

Tem mais, veja mais essa incompetência dos governos com a tal de Zika, as pobres crianças nascendo sem cérebro, se bem que isso deve estar acontecendo há muito tempo, aquela gente toda de Brasília é suspeita, aquele povo da PETROBRAS, sei lá, tudo pode ser, né?

Pois bem, lá estava eu falando sozinho, falando com os meus botões quando alguém de perto falou.

ALGUÉM DE PERTO – que cê disse?

EU (tomando um susto) – quem falou isso?

ALGUÉM DE PERTO – eu.

EU – eu, quem?

ALGUÉM DE PERTO – eu, um dos seus botões. Você não estava falando com a gente?

Olhei, de fato tinha uma boquinha num dos botões.

EU – caralho! Que merda é essa? Já tinha ouvido de “falar com seus botões”, mas pensei que fosse figura de linguagem, significando ensimesmamento, introspecção, internalização. Como que isso nunca aconteceu? (“Aconteceu antes” seria coisa de Lulambão).

BOTÃO COM BOQUINHA – você nunca tinha conversado sozinho, sem parceria.

EU – e é só você?

BOTÃO COM BOQUINHA – não. Fala aê, tchurma (era da turma da Neusinha Brizola).

TURMA (numa confusão babelista de línguas) – “acho que ele não viu, não viu, não”, imitação do grupo Metrô, cantou um. “No balanço das horas tudo pode mudar”, completou outro.

EU – êpa, vamos botar ordem nessa merda, vocês são “meus botões”, trabalham pra mim, tem de me obedecer, eu que pago suas mordomias, casa, roupa lavada. Todos os outros botões falam? Como é seu nome? (Dirigindo-se ao que falara primeiro).

BOTÃO COM BOQUINHA – Zacariasbatopédoutapão, mas pode me chamar de Zac.

EU – tá bom, Zac, diz só os nomes curtos.

ZAC (apontando) – aquele mais de cima é TIL, CEO desta camisa, ganha uma baba enquanto os otários aqui de baixo é que vivem no trampo fedido, e é carne de pescoço; o seguinte é PATO, o terceiro é SAL, eu, TOMI, o mais debaixo, sem casa, vive ao léu, é justamente o LÉU.

EU – e os outros? Os das outras camisas?

ZAC – ih, seria demorado, quando você vestir você mesmo pergunta.

EU – de onde ver a inteligência de vocês, aparelho fonador, etc.? Nunca houve conhecimento disso.

ZAC – ah, meu caro, há muita coisa que a Ciência não sabe, há mais entre o seu (cérebro) e a terra do que pode imaginar a filosofia vã.

EU – que interessante! Me conta (e aí começamos um papo muito importante sobre o completamento das questões universais, não vai ter espaço aqui, depois eu conto).

Serra, segunda, 11 de janeiro de 2016.

GAVA.

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