Falando com os Meus
Botões
Eu estava aposentado,
falava sozinho.
Divorciado, os amigos
distantes, os filhos criando família, eu falava sozinho, e daí? Tem gente que
fica o dia inteiro ao celular, isso é como falar sozinho, né?
Eu falava, “botava
pra fora”, reclamava de tudo e de todos, sentava o pau no governo e nesses
vagabundos todos, vocês tão vendo, só dá ladrão nessa pôrra, é esculhambação
total, ai, Jesus, acho que ele nem vai voltar, para encontrar a casa assim? Só
se ele mandar alguém fazer faxina antes de vir.
Veja que falava, não
conversava, porque não tinha interlocutor, é a ordem das coisas, é a lógica,
falar qualquer um pode falar, conversar é que são elas, para conversar é
preciso que haja um cérebro do outro lado. É por isso que um amigo conta o que
disse um amigo dele lá de Manguinhos: “cérebro hoje em dia é coisa tão
importante que quase todo mundo tem”.
Tem mais, veja mais
essa incompetência dos governos com a tal de Zika, as pobres crianças nascendo
sem cérebro, se bem que isso deve estar acontecendo há muito tempo, aquela
gente toda de Brasília é suspeita, aquele povo da PETROBRAS, sei lá, tudo pode
ser, né?
Pois bem, lá estava
eu falando sozinho, falando com os meus botões quando alguém de perto falou.
ALGUÉM DE PERTO – que
cê disse?
EU (tomando um susto)
– quem falou isso?
ALGUÉM DE PERTO – eu.
EU – eu, quem?
ALGUÉM DE PERTO – eu,
um dos seus botões. Você não estava falando com a gente?
Olhei, de fato tinha
uma boquinha num dos botões.
EU – caralho! Que
merda é essa? Já tinha ouvido de “falar com seus botões”, mas pensei que fosse
figura de linguagem, significando ensimesmamento, introspecção, internalização.
Como que isso nunca aconteceu? (“Aconteceu antes” seria coisa de Lulambão).
BOTÃO COM BOQUINHA –
você nunca tinha conversado sozinho, sem parceria.
EU – e é só você?
BOTÃO COM BOQUINHA –
não. Fala aê, tchurma (era da turma da Neusinha Brizola).
TURMA (numa confusão
babelista de línguas) – “acho que ele não viu, não viu, não”, imitação do grupo
Metrô, cantou um. “No balanço das horas tudo pode mudar”, completou outro.
EU – êpa, vamos botar
ordem nessa merda, vocês são “meus botões”, trabalham pra mim, tem de me
obedecer, eu que pago suas mordomias, casa, roupa lavada. Todos os outros
botões falam? Como é seu nome? (Dirigindo-se ao que falara primeiro).
BOTÃO COM BOQUINHA –
Zacariasbatopédoutapão, mas pode me chamar de Zac.
EU – tá bom, Zac, diz
só os nomes curtos.
ZAC (apontando) –
aquele mais de cima é TIL, CEO desta camisa, ganha uma baba enquanto os otários
aqui de baixo é que vivem no trampo fedido, e é carne de pescoço; o seguinte é
PATO, o terceiro é SAL, eu, TOMI, o mais debaixo, sem casa, vive ao léu, é
justamente o LÉU.
EU – e os outros? Os
das outras camisas?
ZAC – ih, seria
demorado, quando você vestir você mesmo pergunta.
EU – de onde ver a
inteligência de vocês, aparelho fonador, etc.? Nunca houve conhecimento disso.
ZAC – ah, meu caro,
há muita coisa que a Ciência não sabe, há mais entre o seu (cérebro) e a terra
do que pode imaginar a filosofia vã.
EU – que
interessante! Me conta (e aí começamos um papo muito importante sobre o
completamento das questões universais, não vai ter espaço aqui, depois eu
conto).
Serra, segunda, 11 de
janeiro de 2016.
GAVA.
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