Tá Ruim, mas Tá Bão

 

No inferno também é estratificado.

Estou na seção dos 5.000º C.

Não é propriamente a temperatura, entende, é a “queimação”, a sua consciência arde com seus malfeitos. Não é ninguém que te acusa, é você mesmo, você que leva as memórias e fica vendo eternamente os erros que cometeu e o que as pessoas poderiam ter feito com suas vidas se não fosse sua interferência. Isso martiriza. Destrói por dentro. Atormenta mesmo, rói teu interior, consome sua consciência, te arrasa dia após dia, segundo após segundo.

Não se trata de queimar o corpo, claro que não, é a dor na consciência, é ficar acordado vendo todas as suas cagadas. Pol Pot tá fudido, não é meu vizinho, mas daqui posso vê-lo (e, principalmente, ouvi-lo!). Logo ali está Hitler, uns 200 degraus abaixo. Eles estão na classe de milhões de graus (Pol Pot mandou matar três milhões).

Tou nos cinco mil, mas é soma, não é gente morta, você entra na classe-soma das porcarias que fez.

Lá pra baixo estão os cagões mesmo, se fuderam totalmente, os idiotas, há, há, há, cago de rir. Eles têm de ver tudo, tudinho mesmo, todos os impedimentos, todas as vidas que poderiam ter sido muito diferentes se não fossem os desvios que provocaram. Cacete, é muito bom ver os otários piores que eu!

Lá estão os que andam de ônibus do serviço público de coletivos ou a rapaziada nas filas dos bancos. Rapaz, é supimpa. Pobre sofre na mão os governantes, que sem dúvida nenhuma vão vir para cá, vou gostar de ver os sacanas, pode ir chegando, pessoal.

Para cima de mim também há gente, classe dos 500, classe dos 50, classe dos 5, os sortudos, já estão quase passando para a bolha de cima, para o purgatório, quase na interface, na saidinha, na boquinha, que filhos da puta, os canalhas. Não sei quanto ainda vou penar, três divisões por 10. Os de cima são os ricos daqui, principalmente os do inferno brasileiro onde os capetas faltam pra caramba, não há lenha, a caldeira falha, todo tipo de desacerto de terceiro inferno.

Também não posso reclamar tanto, porque tem a turma das multiplicações até 50 mil, 500 mil, cinco milhões – vixe, acho que eu não agüentaria, toda aquela reverberação dentro da mente, viver as dores de todas as pessoas mortas ou sacaneadas, eu entraria em colapso. Hitler, Stalin, Mao, Trumann que jogou as bombas no Japão, os presidentes americanos que ordenaram o bombardeamento do Vietnam, Bush Sênior e Bush Jr (Frankenstein Jr.), puxa vida, só de pensar fico empolado.

Em compensação, há os felizardos de cima.

Só de diminuir de cinco mil para 500 já seria uma benção. Não sei, mais uns 300 anos chego lá, não vejo a hora. Depois mais 300 para chegar a 50, estou quase lá.

Tá ruim, mas tá bão.

Serra, segunda-feira, 23 de julho de 2012.