domingo, 25 de setembro de 2016


Entrada em Cena

 
Era questão de escolher o cenário e o tempo certo de entrar em cena.
Quanto a isso o diretor aconselhava o pretendente.
- Você tem certeza?
- Tenho.
- É essa a peça?
- É.
- Tem certeza quando vai entrar em cena?
- Tenho.
- Não te entendo, você só gosta de perigo.
- É a emoção, coisas paradas me enjoam.
- Como assim?
- Por exemplo, aquela vez que você me convenceu a ir para Miami ficar junto com os velhotes, era todo dia levar a cadeira pra praia a ficar falando dos remédios que tomávamos, Isocardil sublingual, Losartana sódica, Metformina, Sinvascor, sem falar nos filhos e filhas casadas, coisa que ninguém queria saber, aquele enjoo de dor nos rins, coluna deslocada, fraldão, dor de cabeça, possibilidade de AVC. Nossa, contava os dias até morrer. Não, senhor, nunca mais.
- Mas você só escolhe período ruim, vou dizer que é um anjo difícil de agradar, essas reencarnações suas são de doer. Só dá Constantinopla em 1453, Paris em 1789, marinheiro no motim no HMS Bounty, Roma em 476, na Batalha de Gettysburg, Rússia em 1991, porra, assim não dá, você é masô, só pode.
- Não, ué, eu gosto de aventura, não dá para ficar parado. Cantão suíço!? Quer coisa mais devagar que isso, vendo as paisagens, tomando leite saudável, comendo iogurte e vivendo 110 anos na pasmeira?
- Tá certo, nem um extremo nem outro. Por exemplo, por quê a Guerra do Paraguai no cerco final a Solano Lopez E DO LADO DE SOLANO?
- É o frisson, entende, ter algo para contar. É a ferveção, compreende, a agitação, igual essa com o Collor, de que fui tesoureiro, tá certo que acabaram comigo, mas pelo menos fiz arruaça, lembra que falei que ia entregar todo mundo?
- É, muito esperto...
- É isso, uma vida cheia de tropeços, de dificuldades, de pulação, o máximo de barulho com incômodo, sem repetição, como daquela vez em Chicago com o Al contra os homens de Eliot.
- Entendi o seu ponto, mas tem certeza disso de encarnar no exército do sultão Maomé II cercando Constantinopla? Vai esquecer tudo daqui, você sabe.
- Estou certo. O mais perto do sultão que você puder.
Dito e feito, ele foi parar no cerco, mas como o cavalo do sultão e justamente quando ele cravou as esporas para se projetar para frente.
- Ai.
Algum humor o diretor tinha. Bem feito.
Serra, sábado, 04 de agosto de 2012.

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